A Copa terminou, a Espanha ficou com o caneco, e nós ficamos com as imagens. São apenas as imagens que ficam guardadas na memória. Tanto na memória do povo, como na dos arquivos televisivos.
Daqui a alguns anos, muitos se lembrarão de Soares do Uruguai, do seu choro de tristeza antes da cobrança do pênalti, e de sua alegria após a cobrança no travessão; outros se lembrarão da falta de respeito de Domenech quando Parreira lhe estendeu a mão; e outros ainda lembrarão-se do primeiro tempo que o Brasil deixou de matar, e do segundo em que foi assassinado pela Holanda.
Eu provavelmente me lembrarei de tudo isso, mas para mim, a imagem da Copa se fez longe das quatro linhas. Longe de qualquer jogador, técnico ou celebridade presente na África do Sul. Para mim a imagem da Copa é de uma menina negra. Mais precisamente da menina que conduziu a Taça de Ouro da FIFA até as mãos de Joseph Blatter, representante maior da entidade. O que a menina fez? Nada demais.
A negra menina apenas fez seu trabalho que era o de levar a Taça até seu destino. Ela não tropeçou, não deixou a taça cair e muito menos encheu os olhos de lágrimas. Ela que naquele momento era o centro dos holofotes mundiais, passaria despercebida também para mim, caso não estivesse vestindo em suas mãos...belas luvas brancas.
Não tenho nada contra as luvas, afinal fazia frio na África do Sul, mas pergunto: porque luvas brancas? Para simbolizar pureza e paz? Ou seria para garantir que suas negras digitais não viessem marcar o troféu tão precioso? Mas neste caso: as luvas não poderiam ser pretas combinando com a cor da menina e com a do próprio continente de maioria negra? Ou seria apenas um desejo inconsciente de dizer ao mundo que ainda é só o branco que pode o ouro tocar?
A menina não se importou com o fato. Pior que isso: ela nem percebeu. Ela já está acostumada com isso. Nós todos estamos acostumados. A menina não falou nada. Ninguém falou nada. Foram suas luvas brancas que gritaram silenciosamente ao mundo que o discurso do respeito à diferença não passou mais uma vez de um mero discurso. Foram suas luvas que levaram ao inconsciente de cada um a única e cruel verdade: a verdade do racismo.
Somos racistas e assim continuaremos a ser, enquanto não acharmos anormais algumas práticas históricas. São elas que atingem nosso inconsciente e nos amarram no preconceito natural.
Nos dizemos uma nação laica, mas ainda vemos em nossa moeda nacional a inscrição “Deus seja louvado”. Pregamos o respeito às diferenças, mas ainda olhamos com olhos impuros os índios, negros e homossexuais. Discursamos pedindo conscientização, mas no fim caímos em nossas próprias armadilhas culturais.
Procurei fotos da menina negra de luvas brancas. Não achei. Seus passos e suas mãos cobertas de branco, foram tão insignificantes ao mundo consciente, quanto o belo espetáculo e os belos discursos anti-racistas elaborados pelos donos do milionário futebol.
Cada um ficará com suas imagens. A Espanha ficou com a taça, os brancos donos do futebol com o lucro e os negros....bem, esses continuarão na miséria. Faz parte do jogo:
6 comentários:
Excelente reflexão!! Parabéns!!
o preconceito está nos olhos de quem o vê!
Então amigo, explicando o que me pediu: Vai no painel, design, adicionar um gadget e lá vai ter (lista de logs) e só configurar e adicionar os endereços. Grande abraço. Continua escrevendo muy bien... hehe
Obrigado Alessandro pelas dicas. E também pelos comentários, mesmo que anônimos, de todos.
O país da copa de 2010, após 20 anos do fim do apartheid (1990), ainda mostrasse preconceituoso, um preconceito oculto por maquilagens discursivas da diplomacia política.
Ah! Se esta menina negra tivesse ousado ter feito como Tommie Smith e John Carlos, nos jogos olímpicos do México de 1968...
Tapas de luvas negras no racismo.
Agora fiquei imaginando ela tirando as luvas...seria fantástica a quebra do protocolo.
Postar um comentário