O céu antes aberto e ensolarado se fecha. As nuvens brancas que por vezes lembravam o Divino saem de cena e dão lugar à escuridão que agora deixa o céu com um ar amedrontador, misterioso, sinistro por assim dizer.
Eu, sentado na minha sacada, aprecio tal transformação. Com um cigarro na mão esquerda e uma caneta na mão direita, tento descrever meu estado emocional que se modifica junto à mutação temporal. Uma pausa para pensar, e reflito que neste momento muitas pessoas devem estar como eu, com suas mãos ocupadas. Lógico que não com cigarro e caneta na mão e sim com uma vela e um terço, afinal é necessário que se protejam tanto da tempestade inevitável que está por vir como também da provável falta de energia.
Nesta hora, meu ateísmo existencialista anti-cristão - que me mantém ali sentado, inerte, imóvel e admirado com a inevitável tempestade - me faz pensar em escrever um conto sobre um ateu que desafia Deus durante uma tempestade duvidando que o mesmo jogue um raio em sua cabeça.
Começo a escrever meu fictício conto, quando por um instante, um medo, uma angústia me deixa aflito. Penso: “E se acontecer? E se Deus me atirar um raio? E se me deixar seco, duro, queimado em minha cadeira? Seria o pior fim possível para mim. Deus estaria me matando, mostrando seu poder e sua existência, e eu, sem chance de pedir perdão, com certeza iria arder no fogo do inferno”.
Embora tais pensamentos e todos os raios e trovões que no céu se passam, me mantenho ali. Estou decidido a desafia-lo. Lanço o desafio: “Caro Deusinho, se acaso o Senhor existe, quero muito me unir a vossa divindade, peço assim, que me atire um raio aqui onde me encontro, fazendo com que eu, por um mísero milésimo de segundo possível, venha a rever todas as minhas certezas sobre sua inexistência.” Neste momento o tempo fecha de vez, um clarão ilumina o entardecer e trovões sacodem minha cadeira. É um sinal. Devo desistir? O que? Eu desistir? Um ateu que jamais temeu a morte a não ser a possível dor anterior a ela? Não, isso não.
A energia ameaça faltar, raios e trovões me fazem temer por um breve momento meu fim. Insisto. Sou teimoso e desafio esse Deus Todo Poderoso a me desmanchar
Já está escuro. Entro em casa orgulhoso da vitória, quando avisto a janela da cozinha. Ela está aberta, e a chuva que havia aumentado fez com que a mesma viesse a inundar meu adorável lar..Reflito novamente: “Desgraçado, me pegou pela retaguarda, eu na sacada, e Ele vem pela janela. Não quis me matar, mostrou sua benevolência, porém me deu um puxão de orelhas”. Jogo empatado penso eu:
Sento no sofá da sala pensando num desafio que possa desempatar o jogo. “Já sei” - digo a mim mesmo ou a Ele se acaso Ele exista . “Já que o Senhor não quer me matar, façamos o seguinte: Atire um raio na cadeira em que eu estava sentado lá fora, assim não me machucará e eu me tornarei um servo seu aqui na Terra. Prometo ir às missas, propagar a palavra e fazer dos mais convictos ateus, servos do Senhor. São 20 horas e 5 minutos, horário de Brasília, e lhe dou 15 minutos para destruir o local onde me encontrava.”
O silêncio que paira neste momento me faz pensar que Ele está a guardar forças para me dar provas existenciais. Passam-se 5, 10, 15 minutos. Pronto.
Ligo a TV e abro uma cerveja para comemorar, enquanto escuto as manchetes anunciadas por Fátima Bonner e William Bernardes no Jornal Nacional.
Bonner diz: “Um bebê deixado pela mãe na sacada, uma tempestade e um raio”.
Bernardes continua: “Um crucifixo e um milagre”.
Bonner conclui: “O raio atingiu o crucifixo, que milagrosamente salvou a criança”.
Inconformado, viro a cerveja num ligeiro gole e penso comigo:
“Definitivamente com a MÍDIA ninguém pode”.
3 comentários:
Concordo. Quanto à questão da inexistência de "Deus", é desnecessário discutir. Porém, os meios de comunicação de massa, como uma fonte de informação, deveria sim se restringir a certezas, ser mais científica sem perder seu papel social. Infelizmente, a mídia tornou-se comercial a ponto de utilizar a cultura a seu favor. Então, surge um "pirado" que quer monopolizar a mídia em um certo país da América Latina, e o poder acaba com o "pirado" manipulando a mídia comercial que manipula a população.
bom se a criança não estivesse com o crucifixo na mão ou no corpo, haveria uma grande chance do raio não atingir a criança...mas a televisão como sempre tenta nos enganar, pq eles não recomendam as pessoas que fiquem longe de objetos metalicos ou coisas parecidas durante uma tempestade.
bom e quanto a comtemplar uma tempestade descubri que não sou o único que faço isso hehehe...
abraço ale...
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