Fui numa palestra ontem. Palestra é o evento no qual um palestrante - ou seja, um ser humano - discorre epistemologicamente sobre um determinado tema e fala sobre coisas que geralmente concordamos e já sabemos, mas que por sua vez, precisamos reafirmar. Uma palestra funciona mais ou menos como uma terapia, embora seja exatamente o seu oposto. Nunca fiz terapia, mas imagino que a terapia seja algo mais ou menos assim: você vai até um profissional da área, paga antecipadamente pela conversa, fala de seus problemas, coloca para fora suas angústias, e depois de sentir-se mais leve pela catarse, vem o psicólogo, o psicanalista, o terapeuta, o psiquiatra, ou quem quer se seja, e te diz: “muito bem, o objetivo é exatamente esse, colocar para fora e sentir-se melhor consigo mesmo. Volte daqui uma semana que reavaliaremos seu quadro.” O padre tinha esse papel na antiguidade e ainda o tem para muitas pessoas. O procedimento é quase o mesmo: você vai lá, coloca pra fora o mal que o atormenta, reza o quanto ele mandar (ou paga o dízimo em dobro), e pronto. Tudo está resolvido.
Uma palestra também é quase isso. Você paga pela palestra, e reunido com mais centenas de pessoas, ouve os dizeres de quem com você se identifica. A única diferença é que numa palestra ao invés de colocar suas angústias para fora, você coloca algo para dentro. Numa palestra, ou algo de novo é inserido em nosso saber ou que já sabemos é reafirmado.
Uma palestra serve para reafirmar antigos ideais, ou afirmar aquilo que se pensa. Ela serve para se sentir atual, e porque não dizer também, para se sentir menos culpado diante das desgraças do mundo. Numa palestra você ouve de tudo. Tudo o que se quer, e tudo o que não se quer ouvir. Claro que com a clara vantagem de guardarmos apenas aquilo que nos beneficia. Somos amantes de nós mesmos. Tudo o que condiz com nossos ideais é assimilado e tudo o que nos afeta negativamente se torna ofensivo e deve ser descartado.
Ontem por exemplo, na palestra, fiquei muito feliz quando o Frei Beto, que era o palestrante, falou sobre a Idade do Universo, da erotização infantil, e do mundo capitalista falido. Fiquei feliz porque são coisas que batem com a minha ideia, entendem?
Ele foi quase impecável em seus dizeres e cometeu apenas um pecado. Tudo bem que não foi um simples pecado. Ele cometeu um pecado grave, gravíssimo, imperdoável para quem havia falado com tanta propriedade. Seu único, mas grande pecado foi dizer, já depois dos "45 minutos do segundo tempo", que uma das formas de salvar a humanidade é através da oração. Tudo bem, ele até disse que a humanidade poderia ser salva pela educação e pela ação política cidadã. Ele até disse, mas não deu ênfase a isso.
Foi lamentável, afinal, quando tudo transcorria para que as pessoas saíssem de lá refletindo sobre suas responsabilidades diante do mundo; quando tudo se encaminhava para que as pessoas recebessem algo de novo e quem sabe colocassem-se como agentes transformadoras da sociedade, ele, o Frei, o palestrante, o dono da noite, falou da importância da oração. E aí tudo foi por água abaixo. Todas as suas informações se perderam, e as pessoas, que em sua maioria deveriam ser católicas apostólicas romanas, apenas afirmaram aquilo que já havia dentro delas.
Elas saíram de lá convictas que estavam fazendo a sua parte. Elas saíram de lá certas de que para acabar com o mal da televisão, basta tirar o filho da frente do computador, ligar a televisão no canal da Família, e sem diálogo algum com o filho, orar por essa sociedade capitalista falida.
Eu até tentei ouvir sua fala até o final, mas me doía ver aquelas senhoras balançando a cabeça positivamente cada vez que ele falava oração e família. Algumas eu ouvia dizendo : "eu faço isso". Por ora parecia que Cristo chegaria ali. Eu me afetei, me comovi e fui até recepcioná-lo. "Ele" para variar...não apareceu.
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