terça-feira, 29 de junho de 2010

Por que, porque, por que.

Não adianta. Posso dar voltas e mais voltas no mundo do conhecimento. Posso me submeter ao árduo exercício de tentar me colocar no lugar do outro, e mais que isso, de tentar exercer essa alteridade em outra época e em outro lugar. Posso até tentar voltar no passado e imaginar o porquê daquilo tudo ter acontecido. Porém, mesmo fazendo esse exercício e muitas vezes conseguindo parcialmente, mesmo assim, não adianta. Sou radical. Dou voltas, retrocedo, procedo, e sempre acabo diante do mesmo problema. Um problema anterior a todos os outros. Um problema que embora aparentemente sem muita relevância (vocês podem dizer), é o maior empecilho, o maior obstáculo para que possamos chegar mais perto daquilo que tanto (pelo menos discursivamente) queremos. Enfim, nosso problema é religioso e nosso almejo é a humanidade.


A religião foi o único problema que a humanidade jamais tentou resolver. Desde Constantino é que ela domina a sociedade. E mesmo depois que suas verdades divinas foram arruinadas pela física moderna, mesmo assim, ela jamais deixou de exercer seu poder. Jamais deixou de manipular o inconsciente da humanidade. Sua moral ainda prevalece por isso, e a sociedade ainda prevalece e ainda prevalecerá preconceituosa. Indiferente frente à diferença.


Não. Não falo da mal da religião em seu sentido mais profundo. Somos religiosos e filósofos por natureza. Buscamos conhecer e buscar harmonia com o universo. O inimigo da humanidade jamais será a religião. Nosso foco jamais será o desejo e a forma que cada um de nós faz para se “religar” com o universo. Nosso inimigo central assim, não recai sobre a liberdade religiosa que cada um deve exercer, mas sim sobre as instituições religiosas. São elas que se dizem donas da verdade. São elas que se preocupam desde cedo a impor, a incutir o que é o humano, e são elas que espantosamente ainda recebem nosso aval.


O discurso acadêmico é bonito. Mas é só discurso. Fala de humanismo, respeito à diversidade, e outras coisas mais. Balela. Não se pode falar de humanismo e respeito à diversidade, se continuarmos achando normal o batismo, a primeira comunhão, a crisma e todos rituais religiosos. Não se pode falar de humanismo enquanto nas repartições públicas, ainda houver símbolos religiosos, e em nossas creches ainda mantenham como introdução as orações. Por quê? Porque orar eu pergunto? E se ali estiverem filhos de muçulmanos? Filhos de ateus? Deverão eles ser excluídos? Ou pior, deverão forçá-los a participar do ritual? Não, não se pode acreditar que queremos desenvolver o humanismo aceitando que esses criminosos rituais sobre o inconsciente de nossas crianças ainda devam nos pertencer culturalmente. O que fazer com as instituições religiosas? O mesmo que deve ser feito com todos os tipos de drogas. Liberá-las apenas para maiores de 18 anos.


Querem humanismo e respeito. Correto? Unam aquilo que jamais deveria ter sido separado. Reúnam filosofia e religião. A filosofia é a única religião possível. E aqui não falo para cairmos na cilada filosófica dos conceitos, mas sim ao conhecimento desinteressado pela verdade das coisas. Por que, porque, por que. É isso que devemos constantemente nos perguntar. Porque sou diferente. Porque penso assim. Porque sou pobre, porque sou rico, porque quero isso, porque quero aquilo. Porque não gosto ou porque gosto. Por que, porque, por que. É isso que devemos nos perguntar. Não para chegarmos às respostas, mas para nos envolvermos com a diferença. É assim que uma nova humanidade pode ser construída.


Como afirma Saramago, que dizia não ser um ateu por completo pelo fato de estar sempre procurando Deus (aí seu caráter religioso): “Aceitemos então que estamos sozinhos e, a partir daí, façamos a nova descoberta de que estamos acompanhados – uns pelos outros. Quando pusermos os olhos no céu estrelado, com a furiosa vontade de lá chegar, mesmo que seja para encontrar o que não é para nós, mesmo que tenhamos de resignar-nos à humilde certeza de que, em muitos casos, uma vida não bastará para fazer a viagem – quando pusermos os olhos no céu, repito, não esqueçamos que os pés assentam na terra e que é sobre esta terra que o destino do homem (esse nó misterioso que queremos desatar) tem de cumprir-se. Por uma simples questão de humanidade”.

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